NOTA: este texto foi integralmente retirado do meu Blog:
http://k45-286.blogspot.com/
Agora, neste endereço, encontra-se apenas a sua versão inglesa, gentilmente traduzida pelo nosso
Pure911.
1. INTRODUÇÃO.
Porsche Doppelkupplung (PDK) é a palavra de ordem do momento. A dupla embraiagem é aquilo que apetece discutir. Ou não. O que proponho aqui é uma viagem ligeiramente diferente, mais distante. Uma viagem àquilo que a Porsche, AG escreveu numa parede grande do Museu:
Die Anfänge. O Princípio.
É absolutamente incrível a quantidade de informação que existe e que está hoje disponível sobre o período Triássico. E eu digo incrível porque o período Triássico existiu à 225 milhões de anos. E 225 milhões de anos é muito ano. É muito tempo. Não dá para contar pelos dedos. A mim não me impressiona nada a vida dos Arcossauros. A mim o que me impressiona, é, nos dias de hoje, termos profundos conhecimentos sobre a vida dos Arcossauros. Porque das duas uma: ou andam-nos a enfiar um grande barrete, ou a perspicácia do homem é uma coisa de uma magnitude muito maior do que aquela que à partida se possa imaginar. Reparem bem: não ficou para trás ninguém desse tempo dos 225 milhões de anos, para nos contar como foi a vida dos Arcossauros. Nem podia. Nessa altura não havia mais nada, nem sequer ainda um projecto de macaco. Os primeiros protótipos desses estúpidos hominídeos só apareceriam muito, muito, muito mais tarde. Ainda assim, para meu espanto, os conhecimentos que hoje em dia temos sobre essa época são tantos que justificam o leccionamento de cursos em Universidades, justificam a criação de Museus e tudo o mais, desde livros a filmes, eu sei lá. E quem fala dos dinossauros fala por acaso, pois poderia falar de muitas outras épocas da História. Os dinossauros são invocados, apenas por serem um “exemplo de peso” e, claro, caricato. Em vez deles poderíamos estar a falar do Antigo Egipto e a nossa admiração e embasbacamento era precisamente a mesma. Porque também é igualmente perturbador, o facto de nós hoje conseguirmos saber pormenores sobre a vida sexual de Ramsés II e até banalidades sobre a sua pessoa, como aquela de ele gostar de demolhar os calos no leito do Nilo, antes de os aparar estirado entre duas ninfas. É que esta imagem, não sendo do tempo daqueles bonecos de dentes grandes, remonta a 3200 anos A.C. (Antes de Cristo) ou a 5248 A.P. (Antes da Porsche). O que também é muito tempo.
O que me intriga pelo lado desta dimensão estratosférica de nível tão profundo de conhecimentos, também me intriga quando as coisas se passam pelo lado exactamente oposto. A míngua de conhecimentos. A carestia do oferecimento de factos. O que me trás, logicamente, à
PORSCHE. E prometo que não falo mais nos Arcossauros. Porque senão eu vou chegar ao ponto de questionar a minha existência. Ou a existência da Porsche.
E volto à minha frase do início: “é absolutamente incrível” como é tão obscura e complexa a História da Porsche. O que é alucinante. Desde logo porque a História da Porsche ainda está a ser escrita. Escrita por todos nós, todos os dias. É passado, mas também é presente. Nós, que somos clientes, amantes e seguidores da marca - interferimos. Não é disparate afirmar-se que nós fazemos parte da História da Porsche. Quando nós gastamos as nossas economias a comprar um Porsche, nós estamos a contribuir e a participar na História da Porsche. O nosso contributo vai entrar na contabilidade da empresa. Vai servir para pagar ordenados aos trabalhadores, vai servir para desenvolver o futuro novecentos e qualquer coisa. Esqueçam por isso tudo o que foi dito sobre tempos imemoriais ou antepassados anteriores ao Big bang ou lá o que é. A Porsche é de 1948. O que até dá vontade de rir. É que 1948, salvo erro, foi a semana passada. Ou foi há duas semanas atrás, já não sei bem. Não me quero estar a enganar. É ridículo. Deus tenha piedade às almas do nosso querido Professor e do seu filho, mas quase toda a gente ligada à Porsche ainda continua viva. 1948 foi a semana passada. Esta semana fulgurante e gloriosa passou num instante, mas está cá, e fresca! Os protagonistas ainda mexem e respiram entre nós. Como também estão entre nós todos os marcos que ocorreram nestas longas duas últimas e estafantes semanas.
A História da Porsche assemelha-se a um sexagenário com amnésia. No entanto, não existe qualquer justificação para tanto mistério. A não ser a preservação das versões politicamente correctas que tanto agradam ao Marketing empresarial dos tempos modernos. Na parte que me toca, com a Porsche aprendi a ver os factos pela inversão da lógica. Aprendi a partir do fim. Do facto consumado. E depois rebobinar a fita e procurar vestígios que pudessem indicar outro caminho. O que é fascinante, pois transforma-nos numa espécie de Sherlok Holmes prontos para desconstruir a tese do homicídio praticado pelo pré-condenado mordomo. Imbuído nesta mística transcendental do obscurantismo cósmico da nossa Marca, resolvi partilhar com vocês uma coisa que me incomoda há muitos anos. Uma coisa que, como se costuma dizer, me faz “espécie” (seja lá o que isso for).
Eu não escrevo isto para ser do contra. Nem escrevo isto para ser polémico. No entanto, eu sinto um apelo irresistível para dizer que desconfio que o Primeiro Porsche, o
MÍTICO E TODO PODEROSO E INTOCÁVEL NA HISTÓRIA DA PORSCHE - O N.º 1 - não é o que a Porsche diz ser.
É uma RÉPLICA! Em sentido figurado, claro
.
O “K45-286” na sua fotografia oficial da Porsche (werk photo):
Foto 1:
Prontos. Já desabafei. Já fui sarcástico. Agora vou ser mais racional. E vou avançar com mais uma teoria.
O Porsche n.º 1, aquele que a Porsche expõe no seu Museu, o célebre “
K45-286”, poderá não ser o célebre protótipo do 356. Mas também poderá ser. Ou não. Ou sim. Ou não. Ou sim. Ou nim. A minha dúvida é perfeitamente legítima como irei explicar. Para ser sincero, eu ficava muito mais descansado se se chegasse à conclusão ou se admitisse que aquele carro não é o primeiro Porsche, mas sim uma outra coisa qualquer. O exercício que vos proponho é descobrir o que é que aquilo é. E o que é que será preciso preservar de outros tempos, para continuar a ser original. É que, a ser o verdadeiro n.º 1, o actual “
K45-286” é um “bocadinho” ultrajante para aos amantes da Porsche. E disso eu não tenho nenhuma culpa. Este carro prepara-se para ser a grande coqueluche do novo Museu. Vai ser o grande cartaz. Vai ser o objecto mais destacado do novo Porsche Museum. Vai ser exibido ao público como nenhum outro Porsche. Vai ter mais holofotes do que todos os 917 e companhias que granjearam as maiores conquistas desportivas da marca. Será que merece?
Foto 2: O Protótipo como nos é apresentado pela Porsche nos dias de hoje:
Foto 3:
Uma coisa é certa: este carro, este “K45-286” não tem nada a ver com o “K45-286” original. E quando eu digo nada, é praticamente nada. O que é, no mínimo, inconcebível. Diz o povo sabiamente que: “
uma coisa que foi feita uma vez, pode ser feita uma outra vez”. E isto é uma grande verdade. Se em 1948 Ferry Porsche conseguiu fazer em Gmünd o protótipo n.º 1 sem quaisquer recursos, seria facílimo nos dias de hoje, com os recursos milionários da Porsche fazer um igual. Lógico, não é? Mas, por muito tentado que esteja, eu não vou seguir esta linha de pensamento. Para já vou admitir a verdade apresentada pela Porsche: que este é efectivamente o protótipo n.º 1. A ver vamos. Para tentarmos perceber se esta teoria é descabida ou não, teremos que retroceder até ao ano de 1948. E viajar no comboio do tempo...para a terra da Porsche:
a Áustria.
2. WILKOMEN ÖSTERREICH: A FAMÍLIA PORSCHE DOS ALPES.
A maioria das pessoas associa a Porsche a Alemanha. O que não está errado. Mas a família Porsche não é oriunda propriamente da Alemanha.
Ferdinand Porsche nasceu em Maffersdorf, na Boémia do Norte que na altura pertencia ao Império Austro-Húngaro, o equivalente hoje à República Checa. Terra onde a língua mãe é o Alemão, naturalmente. Historicamente, a família Porsche vai ficar ligada à Áustria. Mais concretamente à aldeia de Kitzbuhel na zona de Kitzsteinhorn em Zell am See. A zona é infinita e indiscritivelmente deslumbrante. O meu estatuto de macho latino, contudo, não me permite que utilize adjectivos superlativos de etimologia relativamente homossexual, para caracterizar a beleza natural daquela particular zona do Planeta. Mais à frente ponho umas fotografias para se perceber melhor o conceito.
A casa ancestral da Família Porsche em Zell am See é uma típica Hof Schüttgut, aquelas casas típicas do género das que apareciam nos desenhos animados da Heidi, ou em alguns filmes “esquisitos” do RTL.
A casa, que nos dias de hoje é conhecida por “Porsche Villa” como acontece com todas as casas dos Porsche, foi construída em 1942 pelo Arquitecto Josef Becvar de Viena. O Projecto foi apelidado de “Porsche Haus” (casa Porsche).
Aquela área é conhecida como “Porschegrund” (terra-Porsche ou chão-Porsche). Actualmente ao lado da “Porsche Villa” (casa-Porsche) existe um Hotel que pertenceu à própria Família Porsche: O “Porschehof Hotel”. Esta zona está identificada como privada e a estrada particular que a ela conduz, avisa que aquela propriedade pertence à família Porsche. De qualquer forma, a vista para as casas é excelente e a acomodação no Hotel, possível sob marcação. Esta zona é um destino para o fan da Porsche mais “hardcore”.
A família tenta preservar o “Porschegrund” o máximo possível, com a maior discrição que conseguem, por uma razão muito simples. Ao lado da casa, foi construída uma pequenina Capela branca que tem licença pública como Cemitério privado. E é lá que está enterrado o Professor Ferdinand Porsche e os seus filhos Louise e Ferry Porsche.
Em Zell am See existe outro baluarte do Grupo Porsche: A sede da Porsche Design, criada por Butzi Porsche. É lá que se encontram a Porsche Design, a Porsche Design Driver’s Selection e o Porsche Design Studio.
Foto 1: A aldeia de Kitzbuhel:
Foto 2: Panorâmica de Kitzsteinhorn:
Foto 3: A Porsche “Villa”:
Foto 4: O Projecto “Porsche Haus”:
Foto 5: À esquerda vemos a entrada na propriedade “Porschegrund”. À direita vemos uma reunião de proprietários de tractores Porsche Diesel com os veículos todos estacionados em frente à casa:
Foto 6: O Hotel “Porschehof”:
Foto 7: A pequenina Capela branca ao lado da “Porsche Villa”, onde estão enterrados os membros da família Porsche. Á direita podemos ver um grupo de admiradores da Porsche em visita organizada ao túmulo:
Foto 8: O túmulo dos Porsche:
3. A SERRAÇÃO DE GMUND – O BERÇO DO “K45-286”.
Os barracões de Gmünd fazem parte do imaginário de qualquer adepto da Porsche. Estão para a marca como a gruta da natividade em Jerusalém está para o catolicismo. Cinquenta trabalhadores viveram e trabalharam nos barracões, no meio das montanhas, com temperatura negativas, e ainda por cima, escondidos do inimigo. Camuflados em velhas serrações. As peças que chegavam de comboio, eram recepcionadas a mais de 15 km, que eram feitos num enorme esforço. Alguns dos mecânicos passavam mais tempo com vacas de que com alguns colegas, já que as instalações eram partilhadas com estes animais que por lá circundavam.
Vão passar muitos anos e um dia Ferry Porsche vai desabafar publicamente o seguinte: “Foi um milagre termos conseguido construir um automóvel (leia-se 50) em Gmünd”.
Quem sair dos barracos anda 160 km até Salzburgo para um lado, e 2 km até Gmünd no outro. Gmünd era uma pequena Vila. No seu centro existia uma balança gigante, que era usada pelos aldeões para pesarem o seu gado aquando a realização de leilões. Chegados a Maio de 1948, aconteceu uma coisa fantástica na aldeia. A escola parava e todas as crianças corriam a gritar para o centro da Praça. Vindo do nada, aparecia um veículo fantástico: sem carcaça e com a estrutura toda descarnada. Era o 1.º Protótipo da Porsche que ia regularmente à balança pública do Gado para ser pesado. Foi a forma perfeita que os engenheiros da Porsche encontraram para controlar o andamento dos trabalhos e o desenvolvimento do protótipo.
Foto 2: Um dos primeiros coupés 356 (neste caso o “K49-801”) a ser pesado no Centro de Gmünd com o povo à volta:
3.1. O ALUMÍNIO DE GMUND.
O alumínio de Gmünd é uma história do outro mundo. É quase paranormal. E os primeiríssimos Porsche vão ser construídos com a carroçaria totalmente em alumínio. E na altura não o havia disponível na Áustria, apesar de este ser o elemento metálico mais abundante da crosta terrestre. Por isso, convém esclarecer que o alumínio de Gmünd era o Duralumínio proveniente da Suíça. A leveza e o baixo ponto de fusão conferiam-lhe uma multiplicidade de aplicações, especialmente nas soluções de engenharia aeronáutica (que Ferdinand Porsche tanto gostava) e, claro, automobilística. Para os Porsche o baixo peso era a melhor garantia de boas prestações. E era a solução mais barata. Por outro lado, também era fácil de ser trabalhado e era cinza fosco, a única cor capaz de traduzir a ideologia das flechas de prata tão caras ao regime nazi.
Convém desde já explicar (para quem não saiba) que a produção de Gmünd dos 356, todos carroçados em alumínio, são os carros da Porsche mais raros e os mais valiosos. Os Auto Union feitos por Ferdinand Porsche voaram todos para a Rússia e são impossíveis de comprar. No entanto, eu quase que arrisco que também são quase impossíveis de encontrar os cerca de 50 (49 + 1) (ou mais, 52, 60, 62, depende da versão que se queira adoptar – e que agora não nos interessa) 356 em alumínio com o “vidro quebrado ou dividido”. O último proprietário (um inglês, Delwyn Mallet) que restaurou um demorou 28 anos. E isto porque as carroçarias de Gmünd ganharam anormalmente muita ferrugem. E até levou Mallet a gracejar dizendo que: “a ferrugem era tanta, que até ela própria já tinha ganho ferrugem”. O restauro está relatado num divertidíssimo artigo de Mallet sarcasticamente chamado “Rust in Peace”.
O que é muito estranho já que a resistência à corrosão e durabilidade é uma das qualidades do alumínio devido à camada protectora de óxido. O facto é que (eu já vi fotografias de quase todos os sobreviventes de Gmünd) todos os 356 de Gmünd em alumínio enferrujaram. O que faz deles uns automóveis especiais. Por outro lado, este carros também tinham outras particularidades que os faziam únicos. Desde logo o alumínio era todo batido à mão com um martelo, numa estrutura de madeira (molde).
Foto: Um 356 de Alumínio ao lado do molde em madeira, que podem ser visitados no fantástico Museu em Gmünd, “Porsche Automuseum Helmut Pfeifhofer”:
Foto 2: A carroçaria de alumínio:
Foto 3 e 4: O meu amigo José Guedes, referência dos 356 em Portugal (
http://porsche356.blogspot.com/) visitou recentemente o Museu e teve a gentileza de se lembrar de mim e me oferecer o prospecto do Museu e o bilhete de entrada:
E só existiam 3 pessoas com habilidade para construir os Porsche de alumínio. Porém, dois deles eram muito rudimentares, só havendo um único mestre: o
Karoseriebauer Friedrich Weber – o tal que era alcoólico e que parava a produção da fábrica quando estava mais alegre.
Ferdinand Porsche conheceu este artesão quando este trabalhava para a Austro Daimler. Mais do que um artesão, Weber era um artista. No entanto, cada um dos carros de Gmünd saiu diferente. Em cada um deles, Weber revelou uma inspiração diferente. Um humor diferente. E o álcool afectava-lhe constantemente o seu estado de espírito.
A grande característica dos 356 de Gmünd não é hoje em dia salientada pela marca: e é, o facto de
NÃO HAVER DOIS CARROS IGUAIS. Todos os 356 de Gmünd são diferentes. Não nos podemos esquecer que naquela altura, por causa da Guerra, era muito difícil arranjar-se peças. O próprio protótipo n.º 1 foi grande parte construído através de peças encontradas em Kubelwagens destruídos pela guerra. O objectivo da indústria automóvel é a construção de carros iguais. Ora, em 1948, nos barracões austríacos, tal missão era impossível de ser alcançada pelos Porsche.
Outra das características dos carros de Gmünd é o de terem um aspecto bastante rudimentar. Nota-se bem que eram fruto de trabalho manual. Existe uma diferença abissal em relação aos futuros 356. As carroçarias posteriores, construídas, por exemplo, na Reutter, são muitíssimo mais perfeitas do que aquelas feitas em Gmünd. No entanto, a qualidade artesanal dos 356 de Alumínio confere-lhe um estatuto muito mais valioso e raro. É importante referir que esta carroçaria de alumínio não tinha nenhuma função estrutural no automóvel. Estes carros possuem ainda outra particularidade que os distingue de todos os demais: não têm uma única aresta viva. São todos ondulados e arredondados. Era impossível através do molde de Gmünd, produzir um ângulo. E, curiosamente, por causa disto é que se vai determinar para sempre a forma característica de todos os Porsche. Principalmente a que vai derivar da família do 356, mais concretamente, o 911.
Foto 5: Muito rara foto dos trabalhadores em Gmünd com a sua obra de arte concluída (site Porsche.com):
Foto 6: Não menos rara imagem de Friedrich Weber a trabalhar nos barracos de Gmünd:
4. O TYPE 356. O PROTÓTIPO N.º 1. O PORSCHE N.º 1. O “K45-286”.
O primeiro Porsche oficial é hoje conhecido como o “K45-286”, já que esta foi a sua primeira matrícula. A Porsche empenhou-se muito bem em imortalizar este carro na sua História. Tudo fez para desviar as atenções dos 3 protótipos de corrida pré-1948, o K60 Type 64 do qual apenas sobreviveu o exemplar de
Otto Mathé. Como é do nosso conhecimento, foi o próprio
Ferry Porsche que colocou as letras “
Porsche” no carro que vendeu ao mais querido (na altura) cliente da casa.
Otto Mathé foi também o primeiro proprietário do “
K45-297” que antes tinha sido “
K63-221”.
O Protótipo N.º 1 foi o primeiro a ostentar na carroçaria o nome “
PORSCHE”. Claro que existe actualmente uma crispação extrema entre a família Porsche e a família Mathé, pelo facto de o seu
60k10 ter o nome Porsche na frente (o que, segundo julgo saber, não é culpa dele já que foi o próprio
Ferry Porsche que as colocou).
Laurence Meredith, o historiador dos Porsche 356 (autor de “
Original Porsche 356”) na minha opinião vai muito longe quando escreve no seu livro que o carro do Berlim Roma foi o primeiro Porsche a usar o nome. Contudo,
No que toca ao primeiro Oficial, aquele que é reputado como o primeiro pela casa Porsche: é o protótipo 356 Roadster, aliás, o único Roadster feito em Gmünd. Todos os carros posteriormente construídos foram-no sob a forma de coupés e uma pequena parte como convertíveis. E isto porque, em 1949 (alguns meses após a construção do protótipo) a Porsche encomendou um estudo de mercado (o primeiro da sua história) donde se concluía que os consumidores não estavam interessados em carros abertos de apenas dois lugares. Foi por este motivo que o protótipo n.º 1 nunca foi levado a produção.
No dia 11 de Junho de 1947,
Erwin Komenda é incumbido de levar a cabo o início dos desenhos do projecto
Type 356.
Komenda, vai dar o desenho por concluído, cerca de um mês tarde, em 17 de Julho de 1947.
Karl Frolich vai ser o especialista responsável pela caixa de velocidades e a suspensão que também vão desempenhar um papel determinante no primeiro carro.
Josef Kales e
Josef Zahradnick,
Josef Mickl,Wilhelm Hild, Karl Rabe e F
ranz Xaver Reimspiess formaram o núcleo duro da construção do protótipo. No entanto,
Será só em Abril do ano seguinte que o chassis do protótipo receberá a carroçaria. Irá nascer o
chassis-No. 356-001 e o
motor -No. 356-2-034969 de Gmünd.
O Governo do Estado da Caríntia no dia
8 de Junho de 1948, emitiu uma autorização especial para homologação do protótipo de Gmünd. Esta homologação consta do espectacular documento “
Einzelgenehmigung Bescheid”,
Porsche Konstruktionen Ges. m.b.H. Gmünd, Karten, Ref. 28-30/48 n.º 4328 Porsche Sport Protótipo 356/1.
O motor era um
Volkswagenwerke Fallersleben, o chassis era tubular, o eixo e semi-eixo da VW, tinha 1131 cc, 4 cilindros e debitava 40 cv às 4000 rpm. Por se tratar de um Sport Protótipo, o 356 n.º 1 ganhava 40 % de performance em relação a um normal Volkswagen. Conseguia atingir os 140 km/h o que era excelente. Comparativamente, aquilo que foi feito pela Porsche ao pequeno motor VW assemelha-se ao que hoje em dia fazem os preparadores aos motores Porsche. O motor da VW que originalmente só possuía 22 hp Foram aplicadas câmaras de combustão hemisféricas, válvulas de admissão, linhas de escape totalmente redesenhadas, dupla carburação, taxa de compressão elevada para 6.5:1 (o máximo que a pobre gasolina de 78 octanas da época parecia poder suportar). Era um carro com motor central (vai ser o único de Gmünd), embora na época não se usasse ainda esse termo.
Foto: Os desenhos do protótipo 356 feitos por Komenda em 1947:
Foto 2: O primeiro “Bilhete de Identidade” de um veículo Porsche:
Foto 3: Algumas personagens do “dream team” de Gmünd:
Foto 4: Rudolf Rühr ao volante:
Foto 5: O N.º1 nos “estaleiros”:
Foto 6:
Foto 7:
Foto 8:
Foto 9: Talvez a fotografia do protótipo mais emblemática de todos os tempos. Lindíssima:
O meu “companheiro de carteira”, guru da História da Porsche,
Armando Ceia, enviou-me estas espectaculares reproduções do documento original do protótipo.
Foto 10:
Foto 11:
Foto 12:
Foto 13:
Foto 14:
Foto 15:
5. “EM TI SENHOR EU CONFIO” - O TESTE DRIVE DO “K45-286”. EMOÇÕES AO RUBRO NOS ALPES.
O primeiro semestre de 1948 foi uma época inesquecível na História da Porsche.
Ferry Porsche foi buscar para o ajudar nas sessões de testes do Protótipo n.º1,
Robert Eberan von Eberhorst que era um “expert” nesta matéria.
Eberhorst tinha trabalhado como engenheiro na
Auto Union (especialista na prossecução de recordes) e era profundo conhecedor das complexidades dos carros de corridas. Na altura veio de Turim, já que estava profundamente envolvido na construção do carro de
Piero Dusio, o
Type 360 Cisitalia Grand Prix, um projecto famosíssimo do gabinete da Porsche e que servirá integralmente para pagar a fiança da prisão de
Ferdinand Porsche às autoridades francesas (um milhão de Francos).
Os testes do N.º 1 foram divididos em duas séries. Com o chassis nu, sem carroçaria e depois com ela. E tiveram lugar na mais alucinante pista de testes do planeta:
os Alpes.
Os primeiros em
Katschbergpass e os últimos em
Grossglockner Hochalpenstrasse.
Grossglockner é a mais alta montanha da Áustria com os seus quase 4.000 m. De todas as montanhas dos Alpes, só é ultrapassado pelo
Montblanc. Fica entre a
Caríntia e o
Tirol e tem estradas verdadeiramente serpenteantes e que exigem dotes de condução apurados. A estrada de
Grossglockner é uma obra prima da engenharia, da responsabilidade do génio de
Franz Wallack. É a pista de condução mais fascinante ao dispor do homem. Foi matematicamente traçada com a largura de 3 e 5 metros e feita de forma a que os troços sejam pré-visionados pelo condutor. Para se ter uma ideia da dimensão do
Grossglockner, o seu custo em 1936 foi calculado em 53 milhões de Euros, nos dias de hoje. Antes de se fazer a ascensão da montanha, foi colocado um lindíssimo pórtico em pedra onde se pode ler a inscrição: “I
n te, Domine, speravi” que significa “
em ti Senhor, eu confio” e era o mote do
Papa Benedicto XV, frase retirada de um salmo da Bíblia.
O passo de
Katschberg entre a
Caríntia e
Salzburgo, também era uma pista de testes de eleição, localizada, no entanto, a uma altura mais baixa de 1700 m. Ficaram célebres os sacos de areia que foram colocados no chassis para simular o peso da carroçaria. Katschberg estava bem mais à mão (daí a sua utilidade enquanto o carro não estava terminado) e constituía uma excelente “
Rampa”. Tinha uma subida de 10 km até ao cimo, e depois uma descida maior até
St. Michael em
Lungau. Feitas as contas,e virando a Norte, desde Gmünd até
St. Michael eram cerca de 50 km. Excelentes para testar os 356.
Em 2007, graças ao filho de
Karl Rabe, o
Dr. Heinz Rabe (ele próprio afilhado de
Ferdinand Porsche), hoje com 75 anos, a pedido do Arquivo da Porsche, tem dedicado a sua reforma a traduzir os diários de seu pai. Diariamente, desloca-se ao Arquivo de Zuffenhausen para proceder á tradução dos intrincados diários. Estes foram encontrados por acaso, perdidos num baú no sótão da antiga casa de
Rabe em
Korntal; diários que têm a particularidade de terem sido todos escritos em
Sütterlin (que significa antigo manuscrito alemão) e foi ensinada oficialmente nas escolas alemãs de 1915 a 1941. Grande parte da história da Porsche, está toda escrita à mão em letra antiga. Pois foi só agora, que ficou revelada uma data totalmente desconhecida da História da Porsche: o dia 6 de Junho de 1948: o dia em que o Protótipo n.º 1 pisou o chão da estrada de Gmünd a ser conduzido. Ferry Porsche e o Eng.º. Rupilius atravessaram o Rio Moll e fizeram-se à estrada em direcção a
Zell Am See – a primeira viagem.
Foto: Grossglockner:
Foto 2:
Foto 3:
Foto 4:
Foto 5: Em 1929 começaram as primeiras marcações nas montanhas que exigiram alto risco e a presença de alpinistas. Depois, em 1930 vieram as primeiras explosões com dinamite:
Foto 6: No dia da grande inauguração sob o imponente pórtico: “
In te, Domine, speravi”!
Foto 7: Os amantes da Porsche organizam regularmente passeios pelo Grossglockner em homenagem aos génios Porsche:
Foto 8: Os mais fanáticos até o Grossglockner atravessam de tractor:
Foto 9: O triângulo mágico Zell am See – Grossglockner - Gmünd:
Foto 10: Uma raridade: foto do teste drive do “n.2” em Katschberg sem a carroçaria e com os tripulantes de capacete na cabeça:
6. O “NOVO VOLKSWAGEN AUSTRÍACO” E A PRIMEIRA VITÓRIA DA PORSCHE.
A primeira apresentação pública do “K45-286” ocorreu no dia
4 de Julho de 1948 – Por ocasião do
Grande Prémio da Suíça realizado em
Berna. Foi a primeira conferência e apresentação à imprensa efectuada pela Porsche. E a cotada revista automóvel Suíça “
Automobil Revue” efectua o primeiro teste drive. O resultado não podia ser melhor e o protótipo só recebe louvores. Em jeito de conclusão, é dito por
Robert Braunscheweig, o seu editor: “
este é o tipo de performance que nós prevemos para os carros modernos”. Brilhante. Muito curioso foi também a primeira vez que o N.º 1 foi capa de revista, mais concretamente no nr. 24 da “
Wiener Ilustrierte” de 21 de Agosto de 1948 em que era anunciado com grande destaque: “
DER NEUE OSTERREICHISCHE VOLKSWAGEN” (o novo Volksvagen Austríaco).
Depois veio o glorioso dia de
11 de Julho de 1948, o dia em que a Porsche pela primeira vez ganhou uma corrida. Com o “K45-286”, claro! A nova coqueluche das pistas. O piloto foi
Herbert Kaes, sobrinho de
Ferdinand Porsche por via da sua mulher
Louise Kaes, portanto, primo de
Ferry Porsche. A prova foi a “
Innsbruck City Race” na Áustria chamada “
Rund um den Hofgarten”. A vitória foi na Classe, mas deixou toda a gente com as “orelhas no ar”.
Herbert Kaes com o seu Porsche chegou e venceu. Para a Porsche foi um marco muito importante na sua vida. O mesmo se diga para o engenheiro piloto que vai manter o seu vínculo à empresa até 1978.
Foto: O Wiener Ilustrierte de 21 de Agosto de 1948:
Foto 2: O protótipo num anúncio de 1985:
Foto 3:
Foto 4:
Foto 5: O carro num filme de publicidade original da Porsche:
Foto 6: Um anúncio de uma Companhia Seguradora:
Foto 7: Livro especialmente concebido para a inauguração do novo Museu da Porsche, editado pela Piper Edition:
Foto 8: Campanha oficial Porsche "I can" (Outubro de 200
:
Foto 9: 2008 Brochura alusiva ao 60.º Aniversário da Porsche:
Foto 10:
7. O MISTERIOSO RUPPRECHT VON SENGER E O DINHEIRO DE BLANK.
A Suíça! Todos nós sabemos que a Alemanha é a terra da Porsche por excelência. Mas nem sempre assim foi. Nos tempos conturbados da Guerra, em que os Porsche se refugiaram na Áustria, o centro gravitacional da Porsche pendia para a Áustria e para a Suíça. A Suíça era o paraíso Europeu. Fora da Guerra, era lá que se movimentava o dinheiro, até o Nazi, claro. Em Janeiro de 1948 dá-se um feliz acontecimento na vida da família Porsche.
Heirich Nordhoff, antigo director da
Opel e amigo do peito de
Ferdinand Porsche, assume a Administração da
Volkswagen. Perfeito. Em Setembro desse ano, a Porsche é nomeada empresa responsável por todos os projectos da VW. E celebra um negócio fabuloso. Que vai conceder 5 DM (Marcos) à Porsche a título de “
Royalties”, por cada VW construído.
Mas o melhor ainda estava para vir, o acordo com a Porsche para usar a rede de distribuição e venda, assistência técnica e apoio ao cliente através da Volkswagen.
Rupprecht von Senger está ligado à História da Porsche de forma umbilical. É um personagem central e fulcral no arranque da empresa Porsche. O seu nome vai ficar para sempre ligado à marca, mesmo que esta não o queira, ou não faça qualquer esforço para o lembrar. E
Rupprecht von Senger também vai ficar agarrado à conturbada história do “K45-286”.
Ele sempre admirou a personagem
Ferdinand Porsche.
Rupprecht von Senger era um homem muito inteligente. Chegou a formar-se em Arquitectura e durante a guerra trabalhou como desenhador na empresa
Oerlikon, Bührle & Cie. Mais tarde empreendeu, ele próprio, o projecto de construir um carro de 4 lugares. É nesta altura, corria o ano de 1946 que pela primeira vez, vai procurar
Ferdinand Porsche, encomendando-lhe o estudo. Ficará conhecido como o
Type 352, do qual não haverá produção.
Von Sengercedo percebeu que Porsche era o cavalo ganhador. O cavalo em que se devia apostar tudo. E foi o primeiro a fazê-lo. Antes de todos nós. E merecia, por isso, maior reconhecimento.
Foi o primeiro cliente da Porsche. E isso é um “
senhor estatuto”.
Rupprecht von Senger, também empresário Suíço de espírito aguçado, parte, por isso, para Gmünd mal soube das movimentações da Porsche. E vai ser ele o grande investidor particular que irá patrocinar os primeiros passos da empresa.
Fascinado com o grandioso arranque da Porsche,
Rupprecht von Senger apresenta-se em Setembro de 1948 para levar com ele o protótipo n.º 1. O primeiro dono de um Porsche em toda a História. Isso ninguém lhe tira. E ainda por cima, o proprietário do “K45-286”. O preço foi de 7.000 Francos Suíços. Porém, fará imediatamente uma mais valia de 500 FS, vendendo-o a um seu compatriota.
Von Senger vai ainda comprar todos os restantes 5 descapotáveis (sem os ver), levando-os depois para a Suíça. Vai comprar o
chassis 356/2-001, motor 356-6- 020199 (protótipo coupé); o chassis 356/2-002, motor 356-6- 021343; o chassis 356/2-003, motor 356-6- 014106; o chassis 356/2-004, motor 356-6- 014109 e o chassis 356/2-008, motor 356-1- 000010. O negócio foi feito através de
Anton Piech, cunhado de
Ferry Porsche. O dinheiro, em verdade se diga, provinha de
Bernhard Blank um seu grande amigo, pessoa de muitas posses.
Na altura
Ferry Porscheficou-lhe tão agradecido que o nomeou como o 1.º representante oficial da Porsche.
A megalomania e o fascínio pela Porsche, vão perturbar decididamente a vida de
Rupprecht von Senger. Vai-se comprometer com a marca a comprar 50 carros – meta que não vai conseguir e que o vai levar à ruína.
Quando eu li a autobiografia de
Ferry Porsche, fiquei bastante intrigado pela forma como ele se referiu a
von Senger. Utilizou o vocábulo “
um” em vez de “
o”, como que a dar uma ideia de não o conhecer muito bem. Depois,
Ferry Porsche refere-se a
Bernhard Blank (a fonte do dinheiro de
Senger- o primeiro dinheiro "vivo" a entrar nos cofres da Porsche) como se aqueles dois não se conhecessem e afirma que
Blank entrou em negociações com a Porsche por ser conhecido da família. Não terá sido nada assim. Na verdade,
Von Senger desafiou
Bernhard Blank a investir numa jovem empresa de automóveis.
Blank era dono de uma estalagem chamada “
Seefeld", situada em
Dufourstrasse 4 em
Zurich, e, para além disso, era negociante de automóveis sendo representante dos carros
Tucker (aqueles do filme do cinema).
Von Senger convence
Blank que a Porsche poderá ir muito longe. Revela-lhe a mística e o génio de
Ferdinand Porsche e juntos matutam numa forma de alcançar retorno no investimento em uma empresa de carros desportivos. A fórmula encontrada foi simples: o Agenciamento da marca Porsche. É celebrado um dos maiores contratos da História da Porsche. O Governo Austríaco exigia a exportação dos automóveis como condição para a importação de peças. O interposto é logrado com a Suíça, que tem muita facilidade no acesso à Volkswagen. Por outro lado, vai ser von Senger o responsável pelo fornecimento do alumínio Suíço. É dele o mérito de o enviar para Gmünd. Esta dupla empresarial vai manter-se em actividade até 1951. Oficialmente, a produção “Porsche” começará no dia
28 de Fevereiro de 1948. No entanto, já em 1948, outros Porsches conhecem a luz do dia. Como é o caso do convertível N.º2, o também famoso “K49-804”. O primeiro carro da “
primeira fornada” de Porsches, fica completo cerca de dois meses após o início da sua construção e vai direitinho para a Suíça, para ser exposto no
Salão Automóvel de Genéve.
O mal-estar que se desenvolveu entre o triângulo “Senger-Porsche-Blank”, ficou-se a dever pelo facto de
von Senger iludir a Porsche quanto à proveniência do dinheiro que estava a ser investido. E o “caldo entornou-se” num dia de Agosto de 1948, quando
Blank deu de caras com Senger acompanhado de um estranho vestido de tirolês, a passear na
Bahnhofstrasse em Zurique, a principal rua financeira da Suíça.
Blank para para falar com
Senger e, estranha e inexplicavelmente, durante o tempo em que todos estiveram a conversar,
Senger nunca apresenta a
Blank a pessoa que estava com ele:
Anton Piëch, Advogado e cunhado de
Ferry Porsche, a pessoa que recebia o dinheiro de
Blank.
Blank vai expor dois automóveis neste
Salão Automóvel de Genéve, ocorrido em
Março de 1949 que vai despertar a curiosidade da
AMAG, o representante da Volkswagen na Suíça. Vai ser neste Salão que vão aparecer os primeiros clientes da Porsche. Um dos que ficou incondicionalmente rendido foi o
Príncipe Mohamed Abdel Moneim, filho de
Khédive Abbas II, Príncipe Herdeiro do Egípto.
E
Blank vai vender o Porsche n.º 3 (356/003 chassis 003 de 1948, mas carroçado já em 1949) um cabriolet “bordeaux”, assim como um coupé...para o Egipto! E não só para um único cliente. Para além do Príncipe, vai ser vendido (volvido um ano) um 356 a
Sua Excelência Mohamed Taher Pasha, do Cairo.
Em termos económicos, a Indústria de Gmünd foi um fracasso. Dificilmente resultaria, até porque laborava em condições muito deficientes. A solução acabou por ser encontrada no recurso a empresas independentes do ramo automóvel. Mal se apercebeu desta realidade, a Porsche começou a celebrar contratos com terceiros para a construção dos seus carros. Fê-lo com a
Keibl no Distrito de
Landstrabe, perto de Viena, na Áustria; com a
Tatra, no Distrito de
Simmering (também perto de Viena de Áustria); com a
Kastenhofer no Distrito de
Margareten e a
Beutler em
Thun, perto de Berna, na Suíça. A todas elas foram facultados os desenhos de
Erwin Komenda, acompanhados de quase todas as peças necessárias à construção do 356. Este espartilhamento da Produção Porsche, teve uma consequência perversa: obrigava
Erwin Komenda e os próprios Porsche a deslocarem-se constantemente aos diferentes locais de produção, para garantir que todos se mantinham fiéis ao desenho original.
Dirk Michael Conradt, uma autoridade mundial em 356, conta uma história engraçada acerca de uma destas visitas. O
Professor Ferdinand e
Komendavão à boleia de
Beutler até às suas instalações, para ver como é que estava a sair-se, aquando a construção do primeiro
Beutler. O Suíço era uma lesma ao volante e o Professor, já com idade avançada, começa a ficar irascível. A certa altura, perde as estribeiras, tira
Beutler do volante e desata ele a dar gás no automóvel. Mais tarde, vai ficar célebre o comentário de Beutler sobre Porsche: “
ele conduz como um selvagem”.
Existe, para além do protótipo n.º1, um carro que também ganhou especial destaque: o “K49-801”. Esse carro, que poucos falam, foi construído ao mesmo tempo que o n.º1 e era um Coupé. O seu registo de homologação é de Agosto de 1948. Este Coupé, na altura apelidado em Gmünd de “
Sport Limousine” vai ser utilizado por
Ferry Porsche para dar a cara no único prospecto/catálogo austriaco que foi elaborado naquela época. Dentro do leque estratosférico do universo de Gmünd, importa ainda referir o chassis 356/2-010, motor 356-1-026857, coupé 557/5 que ficou conhecido como o “K45-400” e tornou-se o “
showcar” oficial da marca.
OS PRIMEIROS CLIENTES: Para além dos já acima referidos, podemos ainda mencionar o
Conde Ladislaus Almasy, walter marchtrenk, martin pichler, gunther pekarek, Dipl. Ing Gunther, Franz Walek, Goissern Aschauer, Herdeiros de Meyer’s, Autohaus Liewers, Fritz Reisch, Dr. Ernst Henschel, Dr. Fritz Degerdon, Ing. Hruschka, Dr. F. Schindler, Dr. Muller, Dr. René Jager, Mautner Markhoff, Ing. Franz Friedwagner, Josef Muller, Autohaus Ebner e Otto Mathé. Surpreendentemente, um dos grandes investidores iniciais no projecto Porsche foi a empresa
Scania Vabis famosa empresa de camiões de
Södertälje, na Suécia. A
Scania, entre 12 de Junho de 1950 e 20 de Março de 1951 vai comprar à Porsche, nada mais nada menos do que 15 dos primeiros 49 Porsche 356.
Foto: O “K49-801” fotografado em Gmünd com o protótipo n.º1 atrás:
Foto 2: Outra fotografia do “K49-801”:
Foto 3: Julho de 1948: Anton Piech e o “K49-801”- o 356/2:
Foto 4: O convertível n.º2 - “K49-804”:
Foto 5: O Coupé da “casa” – o “Show car” “K45-400”:
Foto 6: Agosto de 1950, Herbert Kaes (o primeiro piloto a vencer com o primeiro protótipo) em Itália, com o Coupé “K45-400”:
Foto 7: O “K45-400” em sessão fotográfica:
Foto 8: O Salão Automóvel de Genéve de 1949. Repare-se no primeiro painel publicitário da Porsche (reproduzido ao lado). O grafismo é completamente diferente do utilizado no futuro. Esta palavra “Porsche” foi uma raridade já que era usada em arco e durou apenas nos primeiros tempos e o design foi da responsabilidade da Volkswagen Austria:
Foto 9: O Stand de Blank fotografado a seguir ao Salão Automóvel de 1949:
Foto 10: Otto Huslein, Director Gerald a fábrica de Gmund, a conduzir o protótipo a sair da entrada principal do centro de Gmund:
Foto 11: o “K45-286” em fruição completa. Anos 50, nas estradas Suíças:
Foto 12: O Príncipe herdeiro do Egipto:
Foto 13:
Foto 14: Os Type 356 em frente de uma pirâmide:
Foto 15:
8. O MISTÉRIO DO CARRO QUE NÃO DEVERIA EXISTIR.
Abrindo aqui um parênteses, importa contar uma história curiosa. Há uns anos atrás, aparece na
Hill & Vaughn na Califórnia (especialista em restauro de Clássicos) um carro misterioso. E para espanto do restaurador, quando decapado, aparece com uma carroçaria toda em alumínio. Mais, o alumínio do automóvel era idêntico ao dos carros de Gmünd. E, ainda mais intrigante que tudo, o carro parecia-se muito com o primeiro protótipo da Porsche.
Apesar de estar identificado com as insígnias do construtor “
Hs. Waibel Carrosserie Zurich” (Suíça), desde logo se desconfiou que haveria outra história por trás deste carro. Uma história proibida. Uma história escondida.
E que rumor começou a ser vinculado em surdina?
Que este carro teria sido um protótipo do 1.º Porsche, de 1948, feito, talvez, em 1947!!
Primeiro que tudo, em Gmünd não existia uma produção controlada. O registo de números de série nas principais partes dos carros, tais como a carroçaria e o motor, só se tornaram devidamente organizados, após o regresso a Zuffenhausen, nomeadamente instituídos pela Reutter.
A caçada ao “pedigree” e às origens do “Waibel” estava lançada e vai levar os intervenientes numa espiral de contradições e descobertas fantásticas.
Tudo leva a crer que, em 1947,
Ferry Porsche solicita a
Ruprecht von Senger, através da do Presidente da
Volkswagen Switzerland,
DeBrunner, e do importador
Bernhard Blank para comissionar a
Hans Waibel a preparação de três protótipos, dois deles para serem expostos na
Feira Industrial e de Comércio de Viena em 1948.
Hans Waibel foi indicado a
Ferry Porsche pelo seu debilitado pai,
Ferdinand Porsche para quem já tinha construído dois protótipos em 1939.
A grande questão que surgiu com a descoberta deste carro, seria tentar descobrir, se tinha acontecido o que mais ninguém queria que acontecesse. Saber se este carro tinha sido construído sob uma plataforma Volkswagen, ou se já teria sido construído sobre uma plataforma Porsche. O núcleo duro empresarial da Porsche tremeu com a perspectiva de o primeiro Porsche não ser afinal o “K45-286”.
Em 1988, com 75 anos de idade, pela primeira vez,
Hans Waibel Sr. aceitou dar uma entrevista em que abordou o tema do “carro fantasma”. Segundo ele o “
waibel” foi construído em 1948 sob uma plataforma Volkswagen segundo os desenhos originais de
Erwin Komenda, mas adaptados. Internamente, o protótipo foi apelidado de “VW Special Sport Cabriolet”. O carro estava todo improvisado segundo a adaptação de Waibel de onde se destacava a colocação de uma grelha frontal do
Morris Minor. E era mais comprido 27 cm do que o 1.º Porsche.
Hans Waibel Jr. Presidente da
Waybel Werkes, AG, tinha por sua vez afirmado que o protótipo que o seu pai tinha construído tinha um chassis VW, mas o motor era Porsche. Foi encontrado o
n.º de série 1-085552 gravado no compartimento do motor. O motor original já lá não estava.
Hans Jr., fotografou o n.º e o carro, e enviou em 1986 uma carta à
Porsche, AG que foi remetida para
Herbert Linge em
Weissach.
Herbert Linge, responde em carta datada de 20 de Junho de 1986 o seguinte: “I
nfelizmente, não consigo dizer-lhe muito sobre isto. Nós somos da opinião que este carro foi preparado a partir de um chassis de um 356 (Porsche). Existiram vários chassis 356, que foram vendidos sem carroçaria". Esta versão foi posteriormente confirmada por
Karl Ludvigsen.
Em 19 Setembro de 1988, contudo,
B. Wiersch da sede da
Volkswage, AG em Wolfsburg, escreveu a
Hans Jr. Dizendo-lhe que o
n.º de série 1-085552 pertenceu a um VW produzido em 8 de Outubro de 1948, despachado para a Suíça a 18 de Outubro de 1948.
Apesar de transparecer alguma desconfiança quanto à veracidade destas datas apresentadas “oficialmente”, o certo é que,
Waibel Sr. reconhece que só começou a trabalhar no terceiro carro em finais de Outubro de 1948. No entanto, já tinha naquela altura produzido os dois protótipos para a Exposição.
O carro foi vendido a
DeBrunner em 1953 que por sua vez o vendeu a
von Senger. Ainda teve vários registos posteriores na Suíça e acabou por ir para a América
Michael Rizzuto e por fim para as mãos de
Monty Montgomery, produtor de Hollywood. A partir de 1992, foi levada a cabo intensa pesquisa na tentativa de desvendar o verdadeiro e exacto historial do “
Waibel” pelo
Robert Demars, Ltd, mas sem nunca conseguir ir muito mais longe.
Foto: O fascinante “Waibel”. Da época, em restauro e na actualidade:
Foto 2:
Foto 3:
Foto 4:
Foto 5:
Foto 6:
9. O REGRESSO DO “K45-286” ? A TESE DO BOM FILHO A CASA TORNA.
Segundo a Porsche, AG o Protótipo n.º 1, foi vendido, mas recuperado pela casa-mãe, 10 anos volvidos sobre essa venda. Andou perdido em muitas competições, sofreu profundas alterações, sofreu acidentes, desfez-se aos bocados, mas acabou por regressar a
Zuffenhausen onde foi sujeito a múltiplos restauros até ficar a reluzir no
Porsche Museum.
Segundo a Porsche, o carro, depois de ter sido vendido a
von Senger, vai ser transmitido por mais 3 proprietários, todos de nacionalidade Suíça. Sabe-se que o segundo proprietário usava o carro de forma mais familiar, o que não aconteceu com os proprietários seguintes que utilizaram o carro para competir. Quanto à identidade dos sujeitos...a Porsche faz questão de não abordar este tema com minúcia. Ou melhor, de não o abordar sequer. Ainda segundo a versão oficial, o “K45-286” sofre intensas alterações. Perde o pára-choques, ganha pinturas, perde o motor (?) que acaba substituído por versões de 1500 cm3 mais recentes. Capota por mais do que uma vez. Toda esta vida atribulada do Protótipo está envolta numa neblina muito densa. E inexplicável. A Porsche faz questão de apenas salientar a sua primeira vitória, conseguida em
Innsbruck no distante dia de 11 de Julho de 1948. Porque razão o resto da vida desportiva do “K45-286” é apagado da história, dos registos, das menções, continua a ser um mistério por explicar.
Segundo a versão oficial, descoberto o carro, a Fábrica Porsche envia
Richard von Frankenberg com o intuito de negociar com o seu proprietário, o que sobrava do maltratado “K45-286”. Ao que parece, o negócio foi concluído através de uma permuta. A Fábrica ofereceu um 356 A Speedster novinho em folha, em troca do protótipo. Eu pessoalmente, acho este negócio pouco credível. Mesmo em restos, o valor do protótipo n.º 1 é incomparável ao do Speedster.
O carro fica encostado a um canto de Zuffenhausen, até à construção do museu.
São muito poucas as imagens em que se vê o “K45-286” com as vestes que o caracterizaram durante o período em que correu. Nesta curiosa imagem, vemos o carro numa exposição. É muito engraçado – em quase todos os sites alusivos à Porsche que abundam pela internet, esta fotografia aparece identificada como sendo de um Spyder Type 550. Realmente o protótipo está irreconhecível: pintado de branco com quatro lágrimas pretas, com bancos diferentes, sem os frisos da frente, já com reforço na fixação do pára-brisas, com correias de couro na frente, etc. A placa da frente, no entanto, não mente:
Foto:
Foto 2: Outra versão racing, conforme aparece na Bíblia dos primeiros Porsches, o raríssimo livro de Walter J. Spielberger “Porsche: the first decade 1949-1959”. Aqui o carro aparece apenas com duas lágrimas à frente (mais compridas do que as anteriores) e com um número pintado no capot:
Foto 3: Um 356 A Speedster igual ao que alegadamente serviu de moeda de troca:
10. O MILAGRE DO FUNILEIRO E O PESADELO DO RESTAURO.
Pois bem, agora é que a “porca vai torcer o rabo”. Retomando ainda a tese oficial da Porsche, é veiculada pela Fábrica uma história mirabolante em 1958, na altura em que o carro é recuperado: nos primeiros ensaios e testes do protótipo em
Grossglöckner, um tubo da parte da frente do chassis partiu-se. A solução para reparação foi improvisada no meio da montanha por um funileiro. Segundo a “lenda” o funileiro soldou um reforço em U “à sua maneira” de forma a que o carro pudesse prosseguir o seu caminho. Pois bem, em 1958, quando a Porsche readquire o n.º1, afirma que, incrivelmente, o reforço efectuado de improviso pelo funileiro, continuava lá!
Eu até admito que esta história seja verdadeira. A mim, no entanto, parece-me estranho duas coisas. A primeira é que após uma década de transformações no carro ao nível da competição, um remendo improvisado não fosse corrigido. A segunda é a necessidade que a Porsche sentiu em contar uma história deste tipo. Revelou uma preocupação em tentar demonstrar a toda a gente que não havia qualquer dúvida que aquele era mesmo o carro original. Parece-me algo forçado.
Eu pessoalmente, gostaria de ver respondidas algumas questões sobre este facto:
1- Se a lendária peça em U foi reencontrada no protótipo, foi mantida ou retirada, aquando o processo de restauro?
2 – Se foi retirada, onde é que ela está? Não deveria estar no Museu?
3 – Porque é que não existem fotografias desta mítica peça?
Entre 1983 e 1990 o “K45-286” vai ser sujeito a um complexo Processo de Restauro. Serão 7 anos inteiros a tentar trazer o carro à sua configuração original. O que não deixa de ser sinistro. Sinceramente custa-me a engolir muitas destas coisas e espanta-me sempre que não haja ninguém a questionar determinadas realidades. No pós Guerra de Gmünd, a trabalhar no meio das vacas, em barracos e sem recurso a nada, aqueles homens puseram o carro de pé em poucos meses. Volvidos todos estes anos, a toda poderosa
Porsche, AG, munida de tecnologia de ponta e recursos quase ilimitados, demora 7 anos para dar forma a um carro que, infelizmente, ainda por cima, nada tem a ver com o protótipo N.º1.
Mais recentemente, o N.º 1 tem sido entregue a
Hermann Ruettger (A
utowerkstatt & Autohändle - Pleutersbacher Str. 30, 69412 em Eberbach), a maior autoridade de restauros da Porsche do mundo. O “estaleiro” de Hermann Ruettger é mais importante que a própria divisão da
Porsche Classic, em
Zuffenhausen. É ele o maior conhecedor dos carros míticos e históricos da marca. Uma vez perguntaram-lhe se ele costumava pedir emprestado alguma ferramenta à fábrica da Porsche, para utilizar nos carros mais antigos. Ele respondeu: “
eu não, mas eles às vezes vêm cá pedir as minhas”.
Hermann Ruettger deitou as mãos ao protótipo n.º 1 em 1998 aquando um terrível e estúpido acidente que ocorreu com o carro. Aquando a celebração dos 50 anos da Porsche, o carro foi enviado para a América, mais concretamente para estar presente em dois acontecimentos, numa concentração em Laguna Seca e noutra organizada pelo
356 Registry WCH de Monterey. Quando estava ser descarregado no
Aeroporto de Chicago por uma empilhadora de forqueta, o carro estatelou-se no chão, ficando em muito mau estado. Regressou imediatamente à Alemanha, sem estar presente em qualquer celebração. Um forma muito triste e amaldiçoada de se comemorar as bodas de ouro.
Não me interpretem mal, Reuttger é genial a restaurar automóveis. O problema é que ele é um perfecionista e a qualidade do restauro consegue ultrapassar o trabalho original.
O Protótipo era um carro mal azambrado. Era imperfeito. Transmitia mesmo, alguma sensação de ser uma coisa meio tosca. E era isso que era fascinante no primeiro carro. O primeiro ensaio nunca é perfeito. Ainda por cima quando é construído com muito poucos recursos como aqueles que existiam em Gmünd no final dos anos 40. O “K45-286” que presentemente se encontra no Museu, é perfeito de mais. Pretende dar uma ideia falsa do que era o original. Perdeu parte do seu “
cachet”. Perdeu aguma da mística da imperfeição do alumínio de Gmünd. O “K45-286” que está hoje no Museu não foi o que foi feito por um bêbado. Eu gostava de olhar para o carro e tentar descobrir alguma assimetria. Hoje isso não é possível.
Foto: O Fatídico dia do acidente no Aeroporto de Chicago:
Foto 2: O restauro em Zuffehausen:
Foto 3: O restauro na Autowerkstatt & Autohändle: