Earls Court, Londres, Outubro de 1976
Não. Como o título indica, não vou falar da
Martini Racing Team e da gloriosa "partenership" que teve com a Porsche AG na década de 70. Ou melhor, também vou, mas só de raspão porque não me interessa agora Le Mans e outros asfaltos sagrados. Vou antes recordar a repercussão que ela teve na Autobahn, que é como quem diz, na linha de produção de Zuffenhausen e nos clientes da Porsche.
Para apreciarmos estes 911 vamos ter que viajar no tempo e no espaço. Não começo pelo princípio, mas antes pelo meio. E tenho que ir até ao "
International Motor Exhibition” (o Salão Automóvel Britânico) do ano de 1976. O Salão, que estava apinhado de gente "
trandy" com calças à boca de sino e colarinhos a raspar no chão, foi brindado pela Porsche com a colocação no seu stand de um automóvel muito especial: o novo
911 Turbo. No entanto, este turbo trazia uma nuance que fez toda a diferença: era uma
Edição Martini. Já li relatos de quem lá esteve, que pôde testemunhar que aquilo fez mesmo muita mossa no público. Houve quem chorasse por querer possuir um automóvel daqueles. Nesse Salão, a Porsche foi a marca que deu as cartas. E tudo por causa dumas riscas autocolantes vermelhas e azuis da Martini que decoravam o 911 Turbo. Como se não bastasse ser o carro mais in do momento...ainda o "provocaram" com aquele toque genialmente racing. E o público adorava porque sabia da mística dos carros de corrida.
Foto: Earls Court no seu último ano de Motor Show, precisamente 1976. Apesar de não se ver na imagem, o Martini Turbo estava aqui:
Foto: os Martini de competição eram geralmente presença assídua nos Salões e arrastavam multidões:
Estes Porsche 911 e outros dois a que
infra me referirei, serão, provavelmente, dos 911 mais raros de toda a história da Porsche. Esta questão não é de todo descabida, porque vai-nos levar àquela velha, mas interessante, problemática das "
Edições Especiais". Embora muitas vezes este 911 Turbo seja referido como o "
Martini Special Edition", o certo é que apenas poderá ser considerado como um "
Martini Edition". Parece um contracenso mas não é. Nas Edições Especiais, comemorativas de uma qualquer efeméride, a Porsche leva sempre esse modelo à produção, embora, logicamente, de forma limitada, ou muito limitada (ou não se tratasse de uma edição especial). Contudo, no caso do 911 Turbo "
Martini Edition" de 76, embora estarmos na presença de uma peça original de fábrica, o certo é que ele nunca chegou a ser produzido, mesmo em pequeno número. O que lhe confere, em bom rigor, não a qualificação de "
Special Edition", mas sim o estatuto de "
Show Car", lançado como
teaser comercial do futuro modelo, e faz dele um objecto ainda mais exclusivo. E mais raro, já que apenas existiram 2 exemplares, um branco e outro em azul escuro.
O modelo em causa era Grand Prix White com autocolantes às riscas da Martini, em vermelho, azul escuro e azul claro. O sucesso dos autocolantes foi tão grande que a Porsche criou a opção M042 para o 911 SC e Turbos que fossem comprados naquela cor (Grand Prix White). Ao todo, saíram de fábrica cerca de 200 Turbos com a opção M042. O interior do "Show Car" também era todo ele exclusivo da Martini, com destaque para uns engraçadíssimos bancos em couro, também nas cores da Martini, que segundo diziam eram ortopédicos e encomendados a gosto pelo próprio
Fuhrmann. Convém referir que este tipo de banco ortopédico almofadado, nunca chegou sequer a opcional, já que o seu custo era elevadíssimo para a época. A razão da homenagem da Porsche no 911 Turbo do Salão Inglês, prendeu-se com a celebração da vitória no Campeonato do Mundo de marcas "World Manufacturers' Championship" com o Porsche 935 e o título de
World Sports Car Championship com o Porsche 936. E não só, era também a comemoração da quarta temporada da empresa
Martini & Rossi como patrocinador oficial da Porsche, AG para a competição. Quem não se lembra dos celebrérrimos RSR, 908, 935, 936, 917 que tanta fama grangearam para a Porsche.
Foto: o Turbo Edição Martini que esteve em exposição:
Foto: A razão de ser da homenagem: naturalmente os êxitos desportivos da Martini “Racing Team”:
Foto: um dos míticos Martinis de corrida aqui exposto a título de exemplo – neste caso o 935 Moby Dick em Silverstone 1978:
Fotos: Mais fotografias do “Show Car”. O proprietário do carro é um inglês reformado que, curiosamente teve oportunidade de comprar os dois Turbos Martini: o branco e o azul escuro. Aqui há uns anos atrás, talvez 2005 ou 2006, saiu uma 911 & Porsche World em que o enterevistava. Entre outras coisas o sujeito explicava que tinha tomado a decisão de envestir o dinheiro da sua reforma nos dois carros. Segundo ele, era um investimento mais acertado e de menor risco, já que se tratavam de duas raridades históricas. Já procurei a revista, mas ainda não a encontrei. Quando a encontrar, prometo colocar aqui o scan do artigo:
Fotos: os dois exemplares juntos, vendo-se mais atrás o Turbo azul escuro Martini. Em baixo vê-se uma fotografia do interior com os bancos ortopédicos e uma imagem de um anúncio publicitário dos anos 70 dos pneus Cinturato P7 da Pirelli, onde aparece o Martini turbo de 76:
As raízes do "911 Martini Edition de 76"
Convém no entanto, recuar um par de anos atrás, para percebermos que o 911 de série com as cores da Martini não aparareceu pela primeira vez no Salão Automóvel Britânico. Existiram anteriormente dois 911 Martini distintos que irão ser a fonte inspiradora destes mencionados Turbos de exposição.
O que nos leva aqueloutra categoria de Porsches ainda "mais especiais". Os especiais "
especiais": as encomendas. Desde 1948 que a Porsche tem vindo a diluir a sua característica de empresa aristocrática em prol da massificação do seu produto. O que é perfeitamente natural, tendo em conta a lógica da sobrevivência da economia moderna, que é como quem diz, a lógica do modelo capitalista de mercado. A mercearia é interessante, mas as grandes superfícies são capazes de gerar muito mais capital. E isso, para além de também ser interessante, dá muito mais jeito. Como é sabido, a entrada da Porsche no pós Guerra, levou-a a apostar no nicho de mercado classificado como o do "
primado da exclusividade" e por uma razão muito simples: era onde estava o dinheiro. Depois, a escola de F
ritz Sittig Enno Werner von Hanstein (o tal aristocrata dos bigodes que deu a conferência de imprensa todo nu na sauna filandesa), e que ficou conhecido como o Barão "
Huschke von Hanstein", vai acentar raízes em Zuffenhausen, e a "
diplomacia comercial" vai fazer com que a Porsche angarie grande parte da sua clientela na elite da sociedade. Gente com muito dinheiro e muito poder, como é o caso das casas reais europeias.
Hoje em dia, como é evidente, a Porsche já não opera segundo esta lógica. O exemplo da Porsche é muito parecido com o que se passa com o Golfe. Cada vez mais é um desporto para todos e não apenas ao alcance de alguns. Ainda assim, ainda hoje (principalmente com os clientes Árabes) é possível encontrarmos na empresa reminescências desse tempo perdido. Clientes que, ainda hoje, são convidados a irem à fábrica ajudarem a apertar um ou outro parafuso do seu futuro carro; clientes que têm o privilégio de fazerem os primeiros kilómetros do seu novo Porsche nas
test track da Porsche, auxiliados pelos próprios pilotos de fábrica. Isto é verdade e eu conheço alguns que fizeram o favor de me relatar a experiência pessoalmente. Continua, por isso a ser uma realidade, que nem todos os clientes da Porsche são iguais; nem todos os clientes da Porsche são tratados da mesma forma. Para alguns, ainda existe a Diplomacia VIP comercial. E eu acho muito bem, porque tem tudo a ver com a história da marca.
Não se estranhe, por isso, o surgimento, ao longo dos tempos, de muitos Porsches "especiais". Não especiais na acepção do termo "Edições Especiais" (estas, apesar de tudo, ao dispor do comum dos mortais), mas sim por terem sido objecto de uma encomenda efectuada por um cliente especial. Estes Porsches são assim, autênticas peças "
taylor made", únicas – o que faz deles automóveis tão raros que apenas se podem comparar com os protótipos, ou até os “
Concept Cars” de fábrica. Este poder supremo de ter a possibilidade de encomendar o Porsche que se quisesse, claro está, era uma prerrogativa de muito poucos seres humanos, para além dos próprios membros da família Porsche.
Foto: o Barão dos bigodes. A imagem das Relações Públicas empresariais elevadas à categoria de Diplomacia:
Pelo menos dois deles (destes clientes especiais) vão encomendar dois 911 Martini!
1 – O CONDE GREGÓRIO ROSSI DI MONTELERA – já falado várias vezes aqui, era o famoso e todo-poderoso patrão da Martini. Encomendou à Porsche em 1974, nada mais nada menos do que um 911 RS, na versão mais radical, a RSR, legalizada para estrada, devidamente decorado com as riscas da Martini. Um Porsche do outro mundo!
Foto: o RSR “exclusive” do Conde Rossi:
2 – HERIBERT RITTER VON KARAJAN – austríaco, um dos maiores Maestros da história e amicíssimo da família Porsche. Durante toda a sua vida foi um dos maiores coleccionadores de Porsches, e foi um dos seus mais carismáticos clientes. Ficou célebre esta muito curiosa história: mal o Programa 959 começou a ser pensado, foi-lhe imediatamente prometido um exemplar. Que acabou por lhe ser pessoalmente entregue na sua casa de Inverno em St. Moritz, no dia 15 de Fevereiro de 1988. A entrega do 959 vermelho foi um acontecimento, e a televisão alemã aproveitou para registar em filme esse momento. Durante a filmagem, Karajan, acompanhado pela sua mulher, descreve entusiasmadíssimo as sensações do carro. A certa altura, comete o “deslize” de falar no preço. A sua mulher (que até ali vinha calada) dispara-lhe esta tirada: “
com esse preço, bem que é melhor começares a pensar em vender mais discos”.
Voltando aos nossos Martini em 1975, Karajan vai encomendar à Porsche um 911 inacreditável. Como nós sabemos, a Porsche apenas reservou o Programa "
Lightweight" para os RS. Ora, os RS eram os 911 mais radicais, mais "hardcore" o que deixou desagradada uma franja de clientes que eram indefectíveis dos Turbo. Também eles gostariam que a Porsche lhes desse um modelo do Turbo em versão leve. O que não aconteceu, claro, já que o Programa "RS" tinha basicamente como propósito a homologação do 911 para competir. É então que Karajan resolve encomendar o impensável: um
911 Turbo RS. Isto é, um 911 Turbo transplantado no corpo de um RS. E claro, como estava na moda, encomendou o Protótipo com uma decoração Martini, aliás bastante mais arrojada daquela do Conde Rossi, inspirada no carro de corridas, o 911 RSR Martini de 1973. O resultado foi fantático.
Fotos: o Maestro da Orquestra de Berlin ao volante do seu Turbo RS:
Fotos: o carro tal qual se encontra no presente, guardado na garagem do actual proprietário:
Fotos: um 911 turbo de 1976 idêntico ao de Karajan, com autocolantes originais da época, está actualmente à venda pelo Dr. Georg Konradsheim, de Vösendorf, na Austria:
Por último, embora este tópico seja sobre o 911 Martini, parece-me absolutamente justo que se faça uma referência ao lindíssimo
924 Martini. Ao contrário do que suvedeu com o 911, coube ao 924 o mérito de receber em 1977 uma “verdadeira” Edição Especial: a
Martini Edition, ou
Championship Edition (precisamente após a vitória de 76), com direito a placa comemorativa e tudo. Vinha de fábrica encomendada sob a opção M426, destacando-se o Grand Prix White que se estendia às jantes especiais que também vinham nessa cor, ao volante de couro, bancos com as riscas da Martini, e carpetes em cor de laranja vivo. Foram produzidas 3000 unidades.