Quando li, pela primeira vez, o titulo deste tópico confesso que pensei que se ia falar sobre a controvérsia de que Ferdinand Porsche tem sido alvo, desta feita na sua própria terra natal. Por isso e porque entendo que se pode enquadrar neste tema achei por bem, com a devida reverência ao Zico, acrescentar umas linhas sobre o proscrito, banido, proibido, suprimido, abolido e extinto (agora também do local onde nasceu) Ferdinand Porsche.
Como já devem ter lido aqui pelo fórum (or elsewhere) Ferdinand Porsche nasceu a 3 de Setembro 1875 numa insignificante aldeia do norte da Boémia, chamada de Maffersdorf que, na época, era parte integrante do Império Austro-Húngaro. Porém, em 1919, consequência do desfecho da I Guerra Mundial, acabou anexada à recém-inventada Checoslováquia para, em 1938, como toda a região dos sudetas, passar para o domínio alemão. Hoje faz parte da República Checa e dá pelo nome de Vratislavice nad Nisou. (é muito resumido intencionalmente, para não entrar em questões geopolíticas).
Com o fim das ditaduras do leste, em que o nome Porsche era um símbolo maldito dos excessos capitalistas, o despertar da democracia e a chegada do século XXI, Vratislavice nad Nisou, que, com cerca de 7000 habitantes, continua tão insignificante como o era no fim do século XIX, resolveu que era altura de dar ouvidos a um chauffeur de autocarros local, Milan Bumba, e reconhecer a importância de Ferdinand Porsche para a localidade.
Bumba, que é hoje o presidente do Porsche Classic Club da República Checa, começou a interessar-se pelos VW no princípio da década de 80 do século passado. Não levou muito tempo até descobrir, com assombro, que o seu criador, Ferdinand Porsche, tinha nascido ali mesmo, a escassos metros da sua residência. A revelação foi tão marcante que Milan Bumba não se inibiu, apesar do clima muito pouco favorável da época, de contrariar o ostracismo a que tão notável figura tinha sido votada, o que tem feito ao longo dos últimos 30 anos.
Pouco tempo depois de ter sido considerado internacionalmente como “o engenheiro automóvel do século” o primeiro sinal de reconhecimento, sob a forma de uma placa comemorativa, foi registado, em 2000, na fachada da casa onde Ferdinand Porsche nascera. Porém, mais importante, as autoridades locais pareceram, finalmente, aceitar que o aproveitamento da aura à volta do mais notável dos seus nativos podia ter efeitos importantes e positivos.
Não levou muito tempo até que a edilidade local resolvesse colocar, junto aos sinais de início de localidade, um painel que informava que se estava a entrar na terra natal de Ferdinand Porsche.
Mais ambicioso ainda foi, aproveitando a construção do Centro Multicultural - Vratislavice 101010, a criação de um espaço permanente dedicado a celebrar a vida e obra de Ferdinand Porsche, os seus feitos e, acessoriamente, a marca com o seu nome. Foi inaugurado em Outubro de 2010 e baptizado precisamente com o nome de “Memorial Ferdinand Porsche”. Para além dos poderes locais, o memorial contava também com a colaboração activa da marca, através do apoio dos concessionários checos e do próprio Museu que concordou em ceder algumas peças significativas para exposição. Pelo menos aparentemente a sua vitalidade estava garantida.
Porém a associação do nome Porsche à localidade contou, desde o início, com uma oposição cerrada, movida por um grupo de cidadãos revoltados. Embora não passassem de uma minoria, fizeram tamanho alarido, desenterrando acusações antigas e nunca provadas de cumplicidade de Ferdinand Porsche nos crimes do Nazismo, que acabaram por vergar o município.
Começaram por ser retirados todos os painéis alusivos das entradas de Vratislavice e o “Memorial” foi rebaptizado de “exposição”. Mas isso não chegava e, por imposição do dito grupo de agastados, foram adicionadas à resenha biográfica de Porsche as alegações de ter pertencido as SS e ter utilizado trabalho escravo enquanto director da VW.
Perante isto o Museu Porsche optou por retirar discretamente os automóveis expostos e, desde Dezembro do ano passado, o local encontra-se despido de qualquer referência ou utilidade. Vratislavice regrediu pois ao tempo em que o único vestígio de Porsche eram os túmulos dos seus antepassados.
Mas nem tudo são más noticias. Por um lado a Skoda comprou, em 2011, a casa onde Ferdinand Porsche nasceu (quem diz Skoda diz Grupo VW, Ferdinand Piëch, etc, etc…) pelo que pode vir a haver desenvolvimentos airosos, por outro a onda de solidariedade em torno de Porsche e do seu arauto local, o referido Milan Bumba, vai levar à abertura de um museu Porsche em Vratislavice, numa antiga fábrica de cerveja – local que certamente seria do agrado de Ferdinand Porsche.