Não, isto não é ficção científica!
Quem tem clássicos, dentro ou fora da classificação FIA, sabe que estas coisas acontecem. Para uns são uma chatice, para outros fazem parte do charme deste tipo de carros.
Ora desta vez, ao fim de mais de setecentos e dezasseis milhões de segundos de funcionamento leal e ininterrupto, o relógio do meu 911 decidiu que tinha chegado a sua hora…
Simplesmente parou… sem se despedir, sem um simples aviso. Um dia funcionava com a sua regularidade irrepreensível, no dia seguinte estava absolutamente imóvel, com um esgar estranho, não tivesse parado às 19h25m (ou às 7h25).
Não será um componente fundamental, eventualmente nem sequer é importante e, para alguns, serve apenas para tapar um buraco ou conferir simetria ao tablier. Porém eu tenho as minhas manias e, apesar de ter duas mãos esquerdas, a curiosidade supera frequentemente a competência, não conseguindo impedir-me de tentar reparar estas pequenas adversidades. Para mais, normalmente, as coisas não ficam mais avariadas do que já estavam, portanto mãos à obra… vamos tentar reparar um relógio.
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Depois de retirado da sua localização habitual, o que não é difícil mas requer alguma paciência e muito cuidado para não causar danos quer no instrumento quer no painel, desligado dos terminais (2 fios pretos = +12V - castanho=massa) e retirada a lâmpada, ficamos com isto:
A operação seguinte é, talvez, a mais delicada. Trata-se de aceder ao mecanismo e, como tem que ser feito por “arrombamento”, a primeira preocupação é proteger o metal de eventuais mazelas
e, com uma pequena e afiada chave de fendas, forçar o aro para fora de forma gradual a toda a volta até conseguir extrai-lo. Não é muito diferente de abrir uma lata de conserva, só que requer paciência e cuidado. Depois de algumas voltas, com alguma delicada persuasão, ele acaba por sair.
Para ter acesso ao mecanismo basta então desapertar os dois parafusos na parte traseira
E dessoldar o ponto de massa
E aqui o temos, pode não ser um must da relojoaria suíça mas tem uma beleza deliciosamente mecânica e uma electrónica exemplarmente simples: um CI, um cristal, uma resistência, dois condensadores e uma bobine.
A parte mecânica parece estar como nova, apesar das muitas voltas que terá dado ao longo dos mais de 12 milhões de minutos, tem a totalidade dos dentes e roda com facilidade nos seus encaixes.
Óptimo, a substituição de uma cremalheira deve ser virtualmente impossível, penso eu…
Portanto resta a electrónica, felizmente constituída por componentes discretos. Os principais suspeitos passam a ser os dois condensadores electrolíticos (aqueles cilindros amarelados que se vêem na foto). E, efectivamente, depois de alimentar em corrente o relógio e com a ajuda de um multímetro, chegamos rapidamente à conclusão que é um deles o culpado.
Resta pois adquirir 2 condensadores novos (100 µF/16V), substituir os antigos et voilá, o mecanismo ganhou vida impulsionado pelo seu minúsculo motor eléctrico.
Para terminar, depois de um dia em teste numa bancada Ultra-High-tech, a funcionar (como um relógio) irrepreensivelmente, resta voltar a montar – o que é facílimo para quem chegou até aqui.
E pronto o meu Porsche voltou a dar horas…
Tempo total da reparação: 1 hora (e pelo menos + 2 em contemplação)
Custo total da reparação: 20 cêntimos
Material necessário:
Chaves de fendas
Multímetro
Ferro de soldar
2 Condensadores electrolíticos de 100 µF/16V
250gr paciência