Podia quase abrir outro tópico “ Ayrton Senna e os Mercedes”, mas como aqui interessa mais o piloto do que o carro, optei por o deixar dentro do mesmo que é relacionado com o Génio.
Abaixo reproduzo o relato de como a imprensa viu na altura um estreante bater as feras e os catedráticos da F1, no novo circuito do Nurburgring.
Para os mais novos, imaginem o que seria se os melhores pilotos da F1 da actualidade enfrentassem os gigantes do passado em carros idênticos? Parece um sonho impossível de realizar, mas foi precisamente o que a Mercedes-Benz fez em Nurburgring no Sábado 12 de Maio de 1984.
Naquele dia, seis pilotos em actividade na F1 abdicaram de um fim-de-semana de folga para correr contra alguns dos maiores nomes da história do automobilismo. A lista de inscritos incluía nada menos do que nove campeões mundiais, além de dois pilotos que atingiram a glória e que iriam dominar a F1 nos dez anos seguintes.
Esse evento inédito, não foi igualado até ois dias de hoje. Na altura foi organizado para celebrar a inauguração do novo (o curto) traçado do Nurburgring e para promover o lançamento do Mercedes 190 2,3 16V.
O ponto alto do final de semana foi uma corrida de 15 voltas com os novos carros. E os pilotos foram os primeiros a experimentar o novo traçado, um ultramoderno circuito de 4,5 km, construído para levar o automobilismo de ponta novamente para a região. O que não acontecia desde que o antigo traçado, passou a ser considerado perigoso demais.
A Mercedes estava determinada a formar a melhor lista possível de pilotos inscritos entre os que estavam em actividade. Por isso atraiu Niki Lauda e Alan Prost, da Mclaren, Keke Rosberg e Jacques Laffite, da Williams, Elio de Angelis, da Lotus e um novato chamado Ayrton Senna, da fraca Toleman.
O jovem brasileiro, com 24 anos na altura, era o único membro do sexteto que ainda não tinha vencido um GP na F1 (lembremos que tinha entrado para a Formula 1 nesse ano). O responsável pela inscrição do (na altura) desconhecido campeão da F3 inglesa foi Domingos Piedade, que era naquela altura Director da equipa oficial da AMG, e um dos maiores entusiastas da carreira de Senna.
“Para ele, aquilo foi extremamente importante”, recorda Piedade. “Era a abertura de Nurburgring o que significava muito para o Ayrton. E era a primeira vez que ele tinha um carro igual aos dos figurões. Era importante para ele mostrar do que era capaz”.
Lauda e Rosberg, já eram campeões mundiais (em 75 e 77 e em 82, respectivamente), mas representavam apenas a ponta do Iceberg. Juntaram-se a eles Jack Brabham (59, 60 e 66), Phil Hill (61), John Surtees (64), Dennis Hulme (67), James Hunt (76), Jody Scheckter (79) e Alan Jones(80).
O pentacampeão Juan Manuel Fangio também apareceu para apoiar o evento, mas, sofrendo com problemas de saúde, preferiu não participar da corrida.
Os únicos campeões mundiais vivos que faltaram foram Mário Andretti e Emerson Fittipaldi, que estavam nos EUA, a participar nas 500 milhas de Indianapolis, e Jackie Stewart, que sempre se manteve fiel ao compromisso de reformado da F1 e por isso desde 1973 não corre em nada, nem sequer de kart.
Além dos campeões, havia outras estrela da F1. Dos ex-pilotos da equipa Mercedes-Benz - Stirling Moss e Hans Hermann aos mais recentes Carlos Rautemann e John Watson.
O grid foi completado por três estrelas da categoria dos Sport-Protótipos: Klaus Ludwig, Manfred Schurti e Udo Schetz.
“Adorei aquele evento” diz Alain Prost. “Foi fantástico encontrar todos aqueles pilotos. Divertimo-nos muito, mas mesmo com o reencontro de tanta gente, era inacreditável ver o espírito de competição que havia no ar. Todos, mesmo os mais velhos, levaram aquilo muito a sério”. O engenheiro da Mercedes responsável pelos carros, lembra-se como alguns pilotos se interessaram em detalhes de afinação. Reutemann chegou a exigir um jogo de pneus novos no carro antes da qualificação.
Nem todos porém, levaram a corrida tão a sério. “Tratei aquilo da maneira como deveria ser tratado, como uma diversão”. Diz John Watson. “E havia uma mistura de pilotos de gerações e idades diferentes. Velhos amigos, velhos adversários ou as duas coisas. Queria sair-me bem, mas não precisava provar nada”.
Mas para Senna, o fim-de-semana era uma oportunidade única para deixar marcas. Saindo da F3, ele só tinha ainda participado em quatro GPs na F1 na pequena Toleman antes de ir para Nurburgring. Já tinha conseguido dois sextos lugares, mas o seu nome ainda não era conhecido nem pelos outros iniciados que disputavam posições com ele, nem pelo homem que então liderava o mundial de F1.
“Foi a primeira vez que encontrei o Ayrton“, afirma Prost. “como os nossos voos chegaram com uma diferença de 15 minutos, a Mercedes perguntou-me se eu lhe podia dar boleia. Passamos metade do dia juntos. Ele não conhecia absolutamente ninguém, o que era engraçado”.
Phil Hill era um dos veteranos que não tinha a mínima idéia sobre quem era aquele brasileiro.“Eu e minha mulher sentamo-nos numa pequena sala e tentamos meter conversa com ele. Estávamos congelados com o frio e havia apenas um pequeno aquecedor eléctrico. Ele ficou parado, olhando, e eu pensava “O que é que ele quererá dizer? Então desisti, pensando que era apenas mais um novato. Pouco tempo depois, ele gravaria o nome na história da F1”.
A grelha de partida estava repleto de estrelas como Hill, mas quando a corrida começou, com o céu cinzento, todos os olhares se voltaram para um só homem, justamente o mais jovem na pista. Senna alcançou a liderança logo na partida e sem qualquer erro, seguiu firme até a vitória.
Watson foi um dos muitos pilotos que ficaram impressionados. “Para Ayrton, em primeiro lugar ter sido convidado para a corrida, era um sinal de aceitação pelo grupo. Era também um ritual de passagem para ele pois Ayrton certamente que foi para Nurburgring com uma missão a cumprir, diz o vice-campeão de 82. “Algo que ficou para sempre na minha memória era o modo inacreditável como ele ia para cima dos correctores. A minha geração de pilotos não atacava os correctores com tanta agressividade. Não era por menos, que ele era tão rápido”.
Watson, pelo menos já tinha conversado com o brasileiro mas para muitos de seus colegas, Ayrton Senna foi uma revelação.
“Foi a primeira vez que ouvi falar de Senna”, diz Stirling Moss. “Surpreendeu-me ver um total desconhecido vencer aquela prova. Acho que foi até então, a corrida mais importante em que ele tinha participado, porque era algo de muito alto nível”.
“O mais impressionante foi a maneira como ele veio”, afirma Surtees. “Havia um monte de gente que estava em pista para se exibir, cortando pela relva, e havia Senna, pilotando correctamente, mantendo-se em pista e ultrapassando um por um. Após aquele evento, disse para o velho (Enzo Ferrari): ‘Se você quer um piloto, ele é quem você deveria ter’”.
Na pista, e enquanto Senna ganhava vantagem, acontecia todo tipo de confusão lá para trás. “Ayrton fez um trabalho muito profissional”, diz Surtees. “Mas ele foi ajudado pelo facto de que um ou dois pilotos fizeram manobras ridículas e atrapalharam todo o resto. James Hunt foi o rei de cortar caminho pela relva. Acho que poucos carros puderam ser aproveitados depois do que se passou”.
Alguns anos depois, Prost que foi ultrapassado por Elio de Angelis na primeira volta, pensa naquele fim de semana e sorri. “Acho que deveríamos fazer aquilo outra vez. Os carros eram muito bons, mas não era essa a questão. O importante era que se tratava de uma competição.”
Niki Lauda foi o segundo, seguido por Carlos Reutermann, Rosberg e Watson. Mas Senna deixou sua marca. E sabia disso.
“Eu estava nos 1000Km de Silverstone”, conta Domingos Piedade. “E no dia seguinte, Senna apareceu para assistir à corrida e agradeceu-me a oportunidade de ter podido correr contra pilotos famosos. Ele ficou muito orgulhoso pelo facto do seu carro ter sido levado para o museu da Mercedes”.
Três semanas depois, e debaixo de muita chuva, Senna fez uma magnifica corrida em Monte Carlo terminando em segundo no GP do Mónaco. Ele aproximava-se ferozmente do líder Alain Pros, quando a corrida foi prematuramente dada por terminada pelo Director de Prova (o Belga Ickx grande amigo de Prost).
Foi precisamente nesse Domingo que o “Resto do Mundo” passou a conhecer o jovem brasileiro.