Por acaso não gosto nada de falar na primeira pessoa, e nem aqui escreveria isto se não tivesse sido um destes dias surpreendido com uma fotografia de uma reportagem... que me compeliu a partilhar esta história.
Que começa há uns anos atrás quando tive o prazer e a honra de ter sido convidado a visitar os
Arquivos Históricos da Porsche no então novo Museu. O convite foi-me feito muito simpaticamente pelo seu Director,
Dieter Landenberger. Para retribuir a gentileza, achei que seria simpático levar uma lembrança em nome de todos nós aqui do
Lehrenkrauscafe.
Como a nossa imagem e o nosso logo estão associados à Sardinha (à relatada história da tentativa de Portugal em 1948 ter tentado trocar o peixe pelos automóveis) pensei que seria interessante levar uma traineira portuguesa da pesca.
A ideia foi assim um bocadinho para o idiota, mas acabei mesmo por a levar. Arrependi-me muito rapidamente. Aquilo era para o frágil e tive muita dificuldade em a transportar sem a amassar. No Aeroporto resolveram embirrar comigo e aquando da passagem na alfândega mandaram-me para uma sala à parte para ser interrogado. Porque só levava o raio da traineira dentro dum saco, quiseram saber para que era aquilo. E se tinha dinheiro dentro. Não tinha. Mas tinha um papelucho colado por baixo e tapado com fita-cola, com a história do
Armando Ceia sobre o Lehrenkrauscafe e a sardinha, o que lhe dava um ar um ligeiramente suspeito. No avião, porque não podia colocar aquilo na bagageira, tive que gramar com o barquinho no colo.
Depois, no dia em que fui para o Museu perdi-me por completo e andei várias horas num comboio errado e depois vários quilómetros a pé. Sempre com o raio da traineira na mão…estava tão farto daquilo que chegou-me mesmo a passar pela cabeça deixá-la encostada em qualquer lado. Quando finalmente cheguei ao Museu estava tão cansado que a primeira coisa que fiz depois de cumprimentar foi entregá-la. Tipo castigo aos alemães.
Esse momento por acaso também ficou gravado na minha memória para o resto da minha vida, de tão penoso que foi. Quando tirei a traineira do saco e a entreguei, senti-me ainda mais pateta do que já sou e a balbuciar nem sei o quê…e depois, por alguns longos momentos entrei em pânico, quando caí em mim e realizei a minha figura ridícula de estar a entregar um barco num Museu de automóveis. Enfim…
Não obstante, a prenda foi agradecida e guardada dentro do saco num gabinete.
Na altura pensei para os meus botões que aquilo deveria acabar partido e esquecido em qualquer canto (isto numa perspectiva optimista). Mas depois do que me fez passar…queria lá saber…
Passaram todos estes anos, e um destes dias estava a ver uma reportagem feita aos Arquivos da Porsche. A determinada altura fotografaram o seu Director na Biblioteca do Museu…e não é que estava lá a nossa traineira do LKC!!??
Ele há cada uma…
A Biblioteca do Museu faz parte dos Arquivos Históricos da Porsche e não está aberta ao público (apenas pode ser consultada mediante requerimento). Fica num dos andares superiores e foi feita com uma fachada em vidro, podendo ser vista por dentro do Museu. Os Arquivos Históricos também são privados, mas estão numa zona reservada do Museu que não está à vista.