Parabéns ao 356 Club Portugal, e em especial ao Oldtimer. Bom arranque no fim de semana!
A ÚLTIMA FOTOGRAFIA DE FERDINAND PORSCHE
Antes de chegar propriamente à questão da fotografia, impõe-se um pequeno intróito sobre o sujeito retratado, para se tentar perceber da oportunidade do último registo da sua fisionomia. Depois de Baden Baden e da sinistra estadia na Villa Bella Vista, o dia 2 de maio de 1946 ficará provavelmente associado ao último dia de Ferdinand Porsche tal qual o conhecemos. Preso pelos franceses, é instalado contra a sua vontade numa das casas de Louis Renault em Paris. A esperança era a de que se revelasse colaborassionista com aquela nação inimiga. O que não aconteceu, de todo. Ainda assim, esta estadia forçada, terminou com o silêncio voluntário de Ferdinand Porsche. O Professor irrascível cansou-se da vida e desistiu de lutar. E muito tempo (inútil) decorreu entretanto. Cientes disso, a 10 de Fevereiro de 1947, foi considerado um reles criminoso, e foi mandado para a cela n.º 94 da Rue D’Auxonne 72, da cidade de Dijon, a então tristemente célebre: “
La maison d'arrêt de Dijon”. E Ferdinand passou a ser tratado pior que um cão. Até ser libertado, o Professor vai passar pelas piores provações, verdadeiros exemplos de desumanidade, tais como ter que fazer as suas necessidades num balde e não receber alimentação condigna.
Foto: A prisão de Dijon onde esteve preso Ferdinand Porsche:
No dia em que é libertado, 5 de Agosto de 1947, sai com um estado físico-psíquico deplorável, com a sua mente muito próxima da ensandecência. Estava aberta a estrada que o levaria à sua morte. Só lhe restarão poucos anos de vida, o que desde logo contrastava com o período de pujança do seu filho Ferry. O primeiro Porsche, o type 356, nasce precisamente no vale destas duas vidas. Em 1948, quando o 356 começa a rolar, Ferdinand Porsche está completamente decadente. Um farrapo humano. A data do registo do type 356 coincide provavelmente com a data dos piores registos médicos de Ferdinand Porsche. Ferry, por sua vez, está no auge da sua vida. Daí que o Porsche 356, embora com o DNA do pai, é essencialmente um parto do filho. O aspecto físico de Ferdinand Porsche é muito mau, está irreconhecível, o discurso deixou de ser coerente e praticamente não é retratado. Vai ser preciso esperar até finais de 1949 para o Professor recuperar algum do seu bom aspecto exterior. Com alguma esperança, a família vê renascer das cinzas uma parte do ser que ele anteriormente foi.
Foto: As fotografias que a Porsche não mostra (não tem?). Ferdinand em 1948, muito debilitado:
Neste ano e pouco que lhe vai restar de vida, Ferdinand Porsche estará ainda associado a alguns eventos importantes na história da Porsche. Todos eles datados de 1950, o seu último ano:
1) Em Setembro de 1950 celebra 75 anos no Castelo de Solitude – e a Casa Porsche decide surpreender o Criador da marca. É pedido aos clientes que compareçam no Castelo, numa caravana organizada com partida desde Stuttgart. É das maiores emoções da vida de Ferdinand Porsche, e aquela reunião de Porsches 356 (e alguns tractores) foi a semente da criação dos Porsche Clubs e das Porsche Parade.
Foto: A festa em Solitude:
2) Recebe uma prenda de Ferry Porsche: um 356 Gmund coupé – talvez o Porsche mais valioso de todos. O célebre W21-3610, hoje tão em voga no merchandising do Museu, nomeadamente nos gigantescos posters que têm na loja. Este carro não era novo, e foi recuperado, e restaurado de um carro velho. Só que não era um carro velho qualquer...era precisamente um dos três protótipos de testes do 356-2 Austríaco. As mulas eram o “Galgo”, o “Adriano” e o “Ferdinando”. Foi este último que foi oferecido a Ferdinand Porsche nesta data do seu 75º aniversário. O “Coupé Ferdinand”.
Foto: Se o carro pode enganar, a matrícula não:
Foto: Poster gigante colocado na parede da loja do novo Museu da Porsche. Foi a campanha que o Museu empreendeu sob o lema: "OPEN".
3) Ainda em Setembro de 1950 visita a fábrica da Volkswagen em Wolfsburg - sendo recebido por Nordhoff. A sua última comoção. Ferdinand viu finalmente o que tinha sonhado: a fábrica nazi, que até fogões de trincheira teve que produzir, finalmente a materializar o seu pequeno automóvel em grande escala.
4) Viagem a Paris, em visita ao 37º “Salon de L'Automobile, du Cycle et des Sports, Grand Palais des Champs Elysees et Parc des Expositions” na primeira semana de Outubro de 1950 – A sua última viagem, e a sua última presença num evento em que a Porsche participou. Totalmente desaconselhada pelos seus médicos, vai agravar significativamente o seu estado de saúde.
Foto: Ferdinand no Salão de Paris:
Muda o ano...ano novo vida nova: 1 de Janeiro de 1951.
Para Ferdinand Porsche restam-lhe precisamente 29 dias de vida. Vai morrer a 30 Janeiro de 1951.
O que nos trás (finalmente!) ao tema do tópico: a
ÚLTIMA FOTOGRAFIA OFICIAL de Ferdinand Porsche. Porque ela supostamente foi tirada precisamente neste mês de janeiro de 1951. Será? A Porsche, como sabemos, é uma raposa velha. É exímia na construção dos mitos da sua História. A manipulação de datas e factos de acordo com os interesses económicos da empresa são uma “boa” prática comum. Ferdinand vai morrer mas vai deixar em espólio para o futuro, uma imagem digna da sua vida e da marca que criou. Dos estúdios de Zuffenhausen sai para o mundo a revelação da “última” fotografia de Ferdinand Porsche. A fotografia que foi escolhida (aliás, muito bem escolhida) era uma imagem magnífica, carregada de simbolismo do que foi a vida daquele homem. Nessa fotografia, vemos Ferdinand Porsche a sair do recinto exterior da fábrica da Porsche em Zuffenhausen. Ele está curvado, a subir um pequeno conjunto de três degraus, com o portão aberto seguro pela mão esquerda. Um pé num degrau de baixo; outro pé no degrau de cima. Está a olhar pelo canto para o lado direito, para o fotógrafo. Junto á sua cabeça, colocada no portão uma placa onde se lê: “Dr. Ing. h.c.F. Porsche K.-G.”. A imagem esmaga-nos. Ali está um homem cansado (curvado) a caminhar lentamente para fora da sua fábrica pela última vez. A abrir a porta para dela sair. Vai-se embora...para sempre! É a visualização perfeita da paródia da chegada da morte. Da sua própria morte. A subida dos degraus em esforço (parábola ao sofrimento da doença) e a transposição da porta, como a partida para o outro mundo. Mas esta fotografia tem ainda um outro significado intrínseco, muito importante para a Porsche. Consegue, também ela, representar a frase favorita e mais emblemática de Ferdinand Porsche, e que era, sic.: “
Gehn ma, gehn ma!” que significa “vamos embora, vamos embora” (como conta o livro dos seus 100 anos). E realmente, nesta sua última fotografia, ele parece exactamente ter parado para interpelar alguém (todos nós que olhamos para a foto) a desafiá-lo a segui-lo. A ele, que nasceu e morreu, um líder.
Foto: 1951 para a Porsche, KG. Perdão...para a Porsche, AG.
É brilhante. E o brilho é necessário para iluminar o mito da Porsche.
Na minha ideia, porém, a última imagem de Ferdinand Porsche não é esta. A última imagem captada de Ferdinand Porsche não nos transmite tanta sinergia “Porsche”. E nem sequer é de 1951. A Porsche de Ferry é, ainda hoje, sinónimo de exclusividade. A Porsche de Ferdinand, ao contrário, era a de um carro que se trocava por selos. Lamentavelmente para uns, as últimas fotografias de Ferdinand Porsche transmitem apenas simplicidade. A simplicidade de um homem ao volante de um "querido" “K45-444”.
E a despedida de Ferdinand em imagens para a posteridade foi mesmo feita no seu carro: o Volkswagen....
....Ou não...mas vistas bem as coisas, se calhar agora até é capaz de dar jeito que assim seja...