Apesar de vencer as duas classes em que participava, as 24 horas de Le Mans de 1954 foram um desastre para a Porsche.
Dos três 550 Spyder inscritos na classe 1500 apenas um terminou, apesar de fazer as últimas quatro horas da corrida com um piston queimado, o mesmo problema que tinha levado à desistência dos restantes. Ganhou a classe, na qual foi o único a terminar, muito por graça da leviandade dos OSCA que, com doze voltas de avanço, desistiram ambos por saídas de pista durante a última hora da corrida.
O quarto 550, equipado com um motor 1.100, também não foi brilhante. Venceu a classe respectiva mas, fruto de alguns problemas de ignição, nem se conseguiu impor ao vencedor da classe até 750 cc.
Terminada a imprescindível celebração das vitórias, a equipa preparava-se para gozar umas boas horas de merecido descanso, antes de começar a preparar o regresso a Stuttgart. Porém, por essa altura, chega da Alemanha uma notícia inquietante. A mulher de Eberhard Storz tinha entrado em trabalho de parto, na sua casa em Bietigheim, nos arredores de Stuttgart.
Storz, que era um dos principais técnicos de motores da Porsche e, como tal, tinha acompanhado grande parte dos trabalhos nas boxes de le Mans, queria regressar o mais rápido possível. Todavia, até que todo o material fosse devidamente arrumado e a comitiva Porsche pudesse rumar a casa, teria de esperar pelo menos mais um dia.
Herbert Linge, sensibilizado pela aflição do seu amigo, não tardou em arranjar-lhe uma solução. Apropriaram-se do Porsche 550 Spyder que tinha acabado de ganhar a classe até 1.100cc com Zora Arkus Duntov e Gustave Olivier, que era o único automóvel simultaneamente dispensável e disponível e rumaram à oficina de Teloché (onde durante décadas os Porsche de le Mans eram assistidos).
Depois de trocar de pneus, verificar os níveis, atestar e, com a ajuda do mestre Georges, montar um para-brisas improvisado no lugar do passageiro, rumaram a Bietigheim com o 550 ainda ornamentado com os números da corrida.
Momentos antes da partida e de enfrentar os mais de 800 kms da viagem, ainda houve tempo para as despedidas, agradecimentos e esta fantástica foto (que é a razão desta prosa)
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Da esquerda para a direita Herbert Linge, o mestre Georges e Eberhard Storz.
Esgotado por uma semana árdua, rematada pelas 24 horas da prova, Eberhard Storz não tardou a adormecer, apesar das condições precárias enquanto Linge, incansável, conduzia a uma velocidade mais que respeitável. Quando depois de largas horas de inconsciência, ao passar mais bruscamente numa passagem de nível, Storz acordou em sobressalto, perguntou a Linge: “então já passámos a fronteira?” ao que, imagino, este terá tido o maior gozo em responder: “Sim, Eberhard, são só mais duas ou três curvas e estás em casa”